Com efeito, sem os padres, não poderia a Igreja oferecer a Deus sacrifício mais
honroso que o da vida de todos os homens: mas o que era a vida de todos os
homens, comparada com a de Jesus Cristo, cujo sacrifício tem um valor
infinito?Assim, o sacerdote que celebra uma missa rende a Deus uma honra
infinitamente maior, sacrificando-lhe Jesus Cristo, do que se todos os homens,
morrendo por ele, lhe fizessem o sacrifício das suas vidas. Mais ainda, por uma
só missa, dá o sacerdote a Deus maior glória, do que lhe têm dado e hão de dar
todos os anjos e santos do Paraíso, incluindo também a Virgem santíssima; porque
não lhe podem dar um culto infinito, como o faz um sacerdote celebrando no
altar.Pelo contrário, foi necessária a morte de Jesus Cristo para fazer um
padre: pois, doutro modo, — onde se encontraria a Vítima que os padres da lei
nova oferecem hoje a Deus, Vítima santíssima, sem mancha, só por si suficiente
para honrar a Deus duma maneira condigna de Deus? O sacrifício da vida de todos
os anjos e de todos os homens não seria capaz, como acabamos de dizer, de
prestar a Deus a honra infinita, que lhe presta um padre com uma só
missa.
POR
SANTO AFONSO
MARIA DE LIGÓRIO
PRIMEIRA
PARTE
A dignidade do
Padre
I
Idéia da dignidade
sacerdotal
Diz Sto. Inácio mártir que a dignidade sacerdotal tem a
supremacia entre
todas as dignidades criadas2. Santo Efrém exclama: “É um prodígio
espantoso
a dignidade do sacerdócio, é grande, imensa,
infinita3. Segundo S. João
Crisóstomo, o sacerdócio, embora se exerça na terra, deve
ser contado no
número das coisas celestes4. Citando Sto. Agostinho, diz Bartolomeu
Chassing
que o sacerdote, alevantado acima de todos os poderes da
terra e de todas
as grandezas do Céu, só é inferior a
Deus5. e Inocêncio III assegura que
o
sacerdote está colocado entre Deus e o homem; é inferior a
Deus, mas maior
que o homem6.
Segundo S. Dionísio, o sacerdócio é uma dignidade angélica,
ou antes
divina; por isso chama ao padre um homem
divino7. Numa palavra,
concluí
Sto. Efrém, a dignidade sacerdotal sobreleva a
tudo quanto se pode conceber8.
Basta saber-se que, no dizer do próprio Jesus Cristo, os
padres devem
ser tratados como a sua pessoa: Quem vos escuta, a mim escuta;
e quem
vos despreza, a mim
despreza9. Foi o que fez dizer ao autor da Obra imperfeita:
Honrar o sacerdote de Cristo, é honrar o Cristo; e fazer
injúria ao sacerdote
de Cristo, é fazê-la a Cristo”10. Considerando a dignidade dos
sacerdotes,
Maria d’Oignies beijava a terra em que eles punham os
pés.
Importância das funções
sacerdotais
Mede-se a dignidade do padre pelas altas funções que ele
exerce. São
os padres escolhidos por Deus, para tratarem na terra de
todos os seus
negócios e interesses; é uma classe inteiramente consagrada
ao serviço do
divino Mestre, diz S. Cirilo de
Alexandria11. Também Sto. Ambrósio chama
ao
ministério sacerdotal uma “profissão
divina”12. O sacerdote é o ministro,
que
o próprio Deus estabeleceu, como embaixador público de toda
a Igreja junto
dele, para o honrar, e obter da sua bondade as graças
necessárias a todos
os fiéis.
Não pode a Igreja inteira, sem os padres, prestar a Deus
tanta honra,
nem obter dele tantas graças, como um só padre que celebra
uma missa.
Com efeito, sem os padres, não poderia a Igreja oferecer a
Deus sacrifício
mais honroso que o da vida de todos os homens: mas o que era
a vida de
todos os homens, comparada com a de Jesus Cristo, cujo
sacrifício tem um
valor infinito? O que são todos os homens diante de Deus
senão um pouco
de pó, ou antes um nada? Isaías diz: São como uma gota de água... e
todas
as nações são diante dele,
como se não fossem13.
Assim, o sacerdote que celebra uma missa rende a Deus uma
honra
infinitamente maior, sacrificando-lhe Jesus Cristo, do que
se todos os homens,
morrendo por ele, lhe fizessem o sacrifício das suas vidas.
Mais ainda,
por uma só missa, dá o sacerdote a Deus maior glória, do que
lhe têm dado
e hão de dar todos os anjos e santos do Paraíso, incluindo
também a Virgem
santíssima; porque não lhe podem dar um culto infinito, como
o faz um sacerdote
celebrando no altar.
Além disso, o padre que celebra oferece a Deus um tributo de
reconhecimento
condigno da sua bondade infinita, por todas as graças que
ele há
sempre concedido, mesmo aos bem-aventurados que estão no
Céu. Este
reconhecimento condigno nem todos os bem-aventurados juntos
o poderiam
prestar; de modo que, ainda sob este ponto de vista, a
dignidade do padre
está acima de todas as dignidades, sem exceptuar as do
Céu.
Mais, o padre é um embaixador enviado pelo universo inteiro,
como
intercessor junto de Deus, para obter as suas graças para
todas as criaturas;
assim fala S. João Crisóstomo14. Santo Efrém ajunta que o padre trata
familiarmente
com Deus15. Para o padre, numa palavra, não há nenhuma
porta
fechada.
Jesus Cristo morreu para fazer um padre. Não era necessário
que o
Redentor morresse para salvar o mundo: uma gota de sangue,
uma lágrima,
uma prece lhe bastava para salvar todos os homens; porque,
sendo esta
prece dum valor infinito, era suficiente para salvar, não um
mundo, mas milhares
de mundos.
Pelo contrário, foi necessária a morte de Jesus Cristo para
fazer um
padre: pois, doutro modo, — onde se encontraria a Vítima que
os padres da
lei nova oferecem hoje a Deus, Vítima santíssima, sem
mancha, só por si
suficiente para honrar a Deus duma maneira condigna de Deus?
O sacrifício
da vida de todos os anjos e de todos os homens não seria
capaz, como
acabamos de dizer, de prestar a Deus a honra infinita, que
lhe presta um
padre com uma só missa.
III
Excelência do poder
sacerdotal
Mede-se também a dignidade do padre pelo poder que ele
exerce sobre
o corpo real e o corpo místico de Jesus
Cristo.
Quanto ao corpo real, é de fé que no momento em que o padre
consagra,
o Verbo encarnado se obrigou a obedecer-lhe, vindo às suas
mãos sob
as espécies sacramentais. Causou espanto que Deus obedecesse
a Josué,
e mandasse ao sol que se detivesse à sua voz,
quando ele disse: Sol!
fica-te
imóvel diante de Gabaon... E o
sol deteve-se no meio do Céu16.
Mas é muito maior prodígio que Deus, em obediência a poucas
palavras
do padre17, desça sobre o altar, ou a qualquer parte em que
o sacerdote o
chame, quantas vezes o chamar, e se ponha entre as suas
mãos, embora
esse sacerdote seja seu inimigo! Aí permanece inteiramente à
disposição do
padre, que pode transportá-lo à sua vontade dum lugar para
outro, encerrálo
no tabernáculo, expô-lo no altar, ou ministrá-lo aos outros.
É o que exprime
com admiração S. Lourenço Justiniano, falando dos padre:
“Bem alto é o
poder que lhes é dado! Quando querem, demudam o pão em corpo
de Cristo:
o Verbo encarnado desde do Céu e desce verdadeiramente à
mesa do
altar! É-lhes dado um poder que nunca foi outorgado aos
anjos. Estes conservam-
se junto do trono de Deus; os sacerdotes têm-no nas mãos,
dão-no
ao povo e eles próprios o comungam”18.
Quando ao corpo místico de Jesus Cristo, que se compõe de todos
os
fiéis, tem o sacerdote o poder das chaves: pode livrar do
inferno o pecador,
torná-lo digno do Paraíso, e, de escravo do demônio, fazê-lo
filho de Deus. O
próprio Jesus Cristo se obrigou a estar pela sentença do
padre, em recusar
ou conceder o perdão, conforme o padre recusar ou dar a
absolvição, contanto
que o penitente seja digno
dela.
De modo que o juízo de Deus está na mão do padre, diz S.
Máximo de
Turim19. A sentença do padre precede, ajuda S. Pedro
Damião, e Deus a
subscreve20. Assim, conclui S. João Crisóstomo, o Senhor
supremo do universo
não faz senão seguir o seu servo, confirmando no Céu tudo
quanto ele
decide na terra21.
Os padres, diz Sto. Inácio mártir, são os dispensadores das
graças divinas
e os consócios de Deus22. E, segundo S. Próspero, são a honra e
as
colunas da Igreja, portas e porteiros do
Céu23.
Se Jesus Cristo descesse a uma igreja, e se sentasse num
confessionário
para administrar o sacramento da Penitência, ao mesmo tempo
que um
padre sentado no outro, o divino Redentor diria:
Ego te absolvo
o padre
diria
o mesmo: Ego te absolvo; e os penitentes ficariam igualmente
absolvidos,
tanto por um como pelo outro.
Que honra para um súdito, se o seu rei lhe desse poder para
livrar da
prisão quem lhe aprouvesse! Mas muito maior é o poder dado
pelo Padre
Eterno a Jesus Cristo, e por Jesus Cristo aos padres, para
livrarem do inferno,
não só os corpos, mas até as almas; esta reflexão é de S.
João
Crisóstomo24.
A dignidade do padre excede todas as dignidades
criadas
A dignidade sacerdotal é pois neste mundo a mais alta de
todas as dignidades,
nota Sto. Ambrósio25. Ela excede, diz S. Bernardo, todas as
dignidades
dos imperadores e dos anjos26. Santo Ambrósio ajunta que a
dignidade
do padre sobreleva à dos reis como o ouro ao
chumbo27. A razão disso,
segundo
S. João Crisóstomo, é que o poder dos reis só se estendem
aos bens
temporais e aos corpos, ao passo que o dos padres abrange os
bens espirituais
e as almas28. Donde se conclui, em conformidade com o que
fica exposto,
que o poder ou a dignidade do padre é tão superior à dos
príncipes como
a alma ao corpo; era o que já tinha dito o Papa
S. Clemente29.
É uma glória para os reis da terra honrar os padres; é isso
próprio dum
bom príncipe, diz o Papa Marcelo30. Os reis, diz Pedro de Blois,
apressam-se
a dobrar o joelho diante do sacerdote, a beijar-te a mão, e
a abaixar humildemente
a cabeça para receberem a sua bênção31.
Reconhecem assim a superioridade do sacerdócio, diz S.
João
Crisóstomo32. Conta Barónio33 que Leôncio, bispo de Trípoli, tendo sido
chamado
à côrte pela imperatriz Eusébia, lhe mandara dizer que, se
queria a
visita dele, era necessário que primeiro aceitasse as
seguintes condições:
que à sua chegada a imperatriz desceria do seu trono, viria
inclinar a cabeça
sob as suas mãos, pedir-lhe e receber dele a bênção; depois
ele se assentaria,
e ela só o poderia fazer com permissão sua. Terminava por
dizer-lhe que,
a não se darem essas condições, jamais poria os pés na sua
côrte.
Convidado para a mesa do imperador Máximo, S. Martinho
brindou primeiro
o seu capelão e só depois o imperador34. No Concílio de Nicéia,
quis
Constantino Magno ocupar o último lugar, depois de todos os
sacerdotes,
num assento menos elevado; e ainda se não quis assentar sem
permissão
deles35. O santo rei Boleslau tinha pelos sacerdotes uma
tal veneração que
não se assentava na presença
deles.
A dignidade sacerdotal ultrapassa até a dos anjos, razão por
que também
estes a veneram36. Velam os anjos da guarda pelas almas que lhe
estão
confiadas, de modo que, se elas se encontram em estado de
pecado mortal,
excitam-nas a recorrer aos sacerdotes, esperando que eles
pronunciem a
sentença de absolvição; assim fala S. Pedro
Damião37.
Se um moribundo pedir a assistência de S. Miguel, bem
poderá, é verdade,
este glorioso arcanjo expulsar os demônios que o cercarem,
mas não
quebrar-lhes as cadeias, se não vier um padre que o absolva.
Acabando S.
Francisco de Sales de conferir a ordem de presbítero a um
digno clérigo,
notou à saída que ele trocava algumas palavras com outra
pessoa, a quem
(
queria ceder a passo. Interrogado pelo Santo, respondeu ao
jovem sacerdote
que o Senhor o tinha honrado com a presença visível do seu
anjo da guarda.
Este antes da sua elevação ao sacerdócio caminhava à sua
direita e precedia-
o, mas agora tomava a esquerda e recusava caminhar diante;
por isso
ele se tinha ficado à porta, numa santa contenda com o anjo.
S. Francisco de
Assis dizia: “Se eu visse um padre, primeiro ajoelharia
diante do padre, e
depois diante do anjo38”.
Mais ainda, o poder do padre excede até o da santíssima
Virgem; porque
a Mãe de Deus pode pedir por uma alma e obter-lhe quanto
quiser pelas
suas súplicas, mas não pode absolvê-la da menor falta.
Escutemos Inocêncio
III: “Embora a santíssima Virgem esteja elevada acima dos
apóstolos, não foi
contudo a ela, mas a eles que o Senhor confiou as chaves do
reino dos
céus39”.
Por outro lado, S. Bernardino de Sena, dirigindo-se a Maria,
diz igualmente
que Deus elevou o sacerdócio acima
dela40; e eis a razão que
dá:
Maria concebeu Jesus Cristo uma só vez; o padre pela
consagração concebe-
o, por assim dizer, quantas vezes quer; de modo que, se a
pessoa do
Redentor ainda não existisse no mundo, o padre, pronunciando
as palavras
das consagração, produziria realmente esta pessoa sublime do
Homem-Deus.
Daqui esta bela exclamação de Sto. Agostinho: “Ó venerável
dignidade a
dos sacerdotes, entre cujas mãos o Filho de Deus encarna
como encarnou
no seio da Virgem!41”. Por isso S. Bernardo, entre muitos outros,
chama aos
padres pais de Jesus Cristo42. De fato, são causa da existência real da
pessoa
de Jesus Cristo na Hóstia
consagrada.
De certo modo, pode o padre dizer-se criador do seu Criador,
porque
pronunciando as palavras da consagração, cria Jesus Cristo
sobre o altar,
onde lhe dá o ser sacramental, e o produz como vítima para o
oferecer a
Padre eterno. Para criar o mundo, Deus só disse
uma palavra: Disse, e
tudo
foi feito43; do mesmo modo, basta que o sacerdote diga sobre
o pão: Isto é
o
meu corpo; = Hoc est corpus
meum; e eis que o pão deixou de ser
pão: é o
corpo de Jesus Cristo. S. Bernardino de Sena vê nesta
maravilha um poder
igual ao que criou o universo44. E Sto. Agostinho exclama de assombro:
“Ó
venerável e sagrado poder o das mãos do padre! Ó glorioso
ministério! Aquele
que me criou a mim, deu-me, se ouso dizê-lo, o poder de o
criar a ele; e ele
que me criou sem mim, criou-se a si por meio de
mim!”45
Assim como a palavra de Deus criou o céu e a terra, assim
também, diz
S. Jerônimo, as palavras do padre criam Jesus
Cristo46. Tão alta é a
dignidade
do padre que vai até abençoar sobre o altar o próprio Jesus,
como Vítima
para oferecer ao Padre eterno. Segundo nota o Pe.
Mansi47, no sacrifício da
Missa, Jesus Cristo é considerado como Sacrificador
principal e como Vítima:
como Sacrificador abençoa o padre; mas, como Vítima, é
abençoado
pelo padre.
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